Majjhima Nikāya 91
Brahmāyu Sutta
Brahmāyu
Assim ouvi. Em certa ocasião, o Abençoado estava perambulando pelo país dos Videhas com uma grande Saṅgha de bhikkhus, com quinhentos bhikkhus.
Agora, naquela ocasião o brâmane Brahmāyu estava vivendo em Mithilā. Ele era um velho, envelhecido, com a idade avançada, pressionado pelos anos, avançado na vida, chegando ao último estágio; ele estava no seu centésimo vigésimo ano. Ele era um mestre dos três Vedas com os seus mantras, liturgia, fonologia e etimologia e as histórias como quinto elemento; hábil em filologia e gramática, ele era um perito em filosofia natural e nas marcas de um grande homem.
O brâmane Brahmāyu ouviu: “Gotama o contemplativo, o filho dos Sakyas, que adotou a vida santa deixando o clã dos Sakyas, anda perambulando pelo país dos Videhas com um grande número de bhikkhus, com quinhentos bhikkhus. E acerca desse mestre Gotama existe essa boa reputação: ‘Esse Abençoado é um arahant, perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, desperto, sublime. Ele declara—tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto—este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. Ele ensina o Dhamma, com o significado e fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no final; e ele revela uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada. É bom poder encontrar alguém tão nobre.’”
Agora, naquela época o brâmane Brahmāyu tinha um pupilo, o jovem Uttara, que era um estudante dos Vedas … um perito em filosofia natural e nas marcas de um grande homem. Ele disse para Uttara: “Estimado Uttara, Gotama o contemplativo, o filho dos Sakyas, que adotou a vida santa deixando o clã dos Sakyas, está perambulando pelo país dos Videhas com uma grande Saṅgha de bhikkhus, com quinhentos bhikkhus … É bom poder encontrar alguém tão nobre. Agora, estimado Uttara, vá ver o contemplativo Gotama para descobrir se esse relato é correto ou não e se o Mestre Gotama é como dizem. Assim, conheceremos o Mestre Gotama por seu intermédio.”
“Senhor, como irei descobrir se esse relato é correto ou não e se o Mestre Gotama é como dizem?”
“Estimado Uttara, as trinta e duas marcas de um grande homem foram transmitidas através dos nossos mantras e o Grande Homem que as possui tem apenas dois possíveis destinos, nenhum outro. Se ele viver a vida em família ele se tornará um Monarca que gira a roda, um monarca justo que governará de acordo com o Dhamma; conquistador dos quatro pontos cardeais, que estabelecerá a segurança no seu reino e que possuirá os sete tesouros. Que são: a Roda Preciosa, o Elefante Precioso, o Cavalo Precioso, a Jóia Preciosa, a Mulher Preciosa, o Tesoureiro Precioso e como sétimo o Conselheiro Precioso. Ele terá mais de mil filhos que serão corajosos e heróicos e que aniquilarão os exércitos inimigos. Ele governará, tendo conquistado esta terra circundada pelo mar, sem bastão ou espada, através do Dhamma. Mas se ele deixar a vida em família e seguir a vida santa, então ele se tornará um arahant, um Buda perfeitamente iluminado, aquele que remove o véu do mundo. E eu, Uttara, sou o transmissor dos mantras e você é o recebedor.”
“Sim, senhor,” ele respondeu. Ele se levantou, e depois de homenagear o brâmane Brahmāyu, mantendo-o à sua direita, partiu em direção ao país dos Videhas, onde o Abençoado estava perambulando. Viajando em etapas ele chegou até onde o Abençoado estava e ambos se cumprimentaram. Depois que a conversa amigável e cortês havia terminado, ele sentou a um lado e procurou as trinta e duas marcas de um Grande Homem no corpo do Abençoado. Ele viu mais ou menos as trinta e duas marcas de um Grande Homem no corpo do Abençoado, exceto duas; ele ficou em dúvida e não podia ter certeza sobre duas dessas marcas, e não pôde chegar a uma conclusão sobre elas: sobre a genitália contida numa bainha e sobre o tamanho da língua.
Então, ocorreu ao Abençoado que: “Este estudante brâmane Uttara vê mais ou menos as trinta e duas marcas de um Grande Homem no meu corpo, exceto duas; ele tem dúvida e incerteza sobre duas dessas marcas e não pode chegar a uma conclusão sobre elas: sobre a genitália contida numa bainha e sobre o tamanho da língua.”
Então, o Abençoado através dos seus poderes supra-humanos fez com que o estudante brâmane Uttara pudesse ver a sua genitália contida numa bainha. Em seguida, o Abençoado esticou a língua para fora, lambendo ambas as orelhas e ambas as narinas e depois cobriu toda a extensão da sua testa com a língua.
Então, o estudante brâmane Uttara pensou: “O contemplativo Gotama está provido de todas as trinta e duas marcas de um Grande Homem, completas e sem faltar nenhuma. E se eu seguisse o contemplativo Gotama e observasse o seu comportamento?”
Então, ele seguiu o Abençoado por sete meses como uma sombra, sem nunca deixá-lo. Ao fim dos sete meses no país dos Videhas, ele partiu em jornada para Mithilā onde se encontrava o brâmane Brahmāyu. Ao chegar, ele o cumprimentou e sentou a um lado. Em seguida o brâmane Brahmāyu perguntou: “Bem, estimado Uttara, o relato sobre o Mestre Gotama é correto ou não, o Mestre Gotama é como dizem?”
“O relato sobre o Mestre Gotama é correto, não incorreto; e o Mestre Gotama é como dizem, não de outra forma. Ele possui as trinta e duas marcas de um Grande Homem.
- “Mestre Gotama tem os pés chatos—essa é a marca de um Grande Homem no Mestre Gotama.
- Nas solas dos seus pés há rodas com mil raios e cubo, toda completa …
- Ele tem os calcanhares protuberantes …
- Os dedos dos pés e das mãos são longos …
- As mãos e os pés são suaves e delicados …
- As mãos e os pés são reticulados …
- Os seus tornozelos são alongados …
- As suas pernas são como as de um antílope …
- Quando ele fica em pé sem se inclinar, as palmas de ambas mãos tocam os joelhos …
- A sua genitália está contida numa bainha …
- A sua complexão é brilhante, de cor dourada …
- A sua pele é sutil e devido à sutileza da sua pele, a poeira e a sujeira não aderem ao seu corpo …
- Os pelos do corpo crescem separadamente, cada um no seu poro …
- As pontas dos pelos do corpo são curvadas para cima; a cor dos pelos é preta azulada, enrolados para a direita …
- Ele tem os membros retos de um Brahmā …
- Ele tem sete convexidades …
- Ele tem o torso de um leão …
- Não há um sulco entre os ombros …
- Ele tem as proporções de uma figueira-de-bengala; a envergadura dos seus braços equivale à altura do seu corpo, e a altura do seu corpo equivale à envergadura dos seus braços …
- O seu pescoço e ombros são nivelados …
- O seu paladar é excepcionalmente apurado …
- Ele tem a mandíbula de um leão …
- Ele tem quarenta dentes …
- Os seus dentes são nivelados …
- Os seus dentes não têm espaços …
- Os seus dentes são bem brancos …
- Ele tem uma língua muito grande …
- Ele tem uma voz divina, como o gorjeio de um pássaro …
- Os seus olhos são de um azul profundo …
- Ele tem os cílios de um touro …
- Ele tem pelos no espaço entre as sobrancelhas e eles são brancos com o brilho do algodão macio …
- A sua cabeça tem o formato de um turbante—essa é a marca de um Grande Homem no Mestre Gotama.
“O Mestre Gotama está dotado dessas trinta e duas marcas de um Grande Homem.
“Ao caminhar, ele dá o primeiro passo com o pé direito. Ele não estende o pé em demasia ou o coloca muito perto. Ele caminha nem tão rápido, nem tão devagar. Ele caminha sem que os joelhos se toquem. Ele caminha sem que os tornozelos se toquem. Ele caminha sem levantar ou baixar as coxas, sem trazê-las juntas ou mantê-las separadas. Ao caminhar, apenas a parte baixa do seu corpo oscila, e ele não caminha por meio do esforço corporal. Ao virar-se para olhar, ele assim o faz com todo o corpo. Ele não mantém o olhar para cima; ele não mantém o olhar para baixo. Ele não caminha olhando em volta. Ele mantém o olhar a uma pequena distância à sua frente; e numa distância maior, ele tem conhecimento e visão desimpedidos.
“Quando ele chega num lugar fechado, ele não levanta ou abaixa o seu corpo, ou o inclina para frente, ou para trás. Ele dá a volta não muito distante do assento, nem muito próximo deste. Ele não se apóia no assento com as mãos. Ele não larga o corpo sobre o assento.
“Quando sentado num lugar fechado, ele não fica mexendo as mãos nervosamente. Ele não mexe os pés nervosamente. Ele não senta com os joelhos cruzados. Ele não senta com os tornozelos cruzados. Ele não senta com a mão segurando o queixo. Quando sentado num lugar fechado ele não tem temor, ele não treme e se agita, ele não fica nervoso. Destemido, sem tremer ou se agitar, ou ficar nervoso, os seus pelos não ficam em pé, e ele tem como intenção o isolamento.
“Ao receber água para a tigela, ele não levanta ou abaixa a tigela, ou a inclina para frente ou para trás. Ele recebe nem pouca, nem muita água para a tigela. Ele lava a tigela sem fazer ruído. Ele lava a tigela sem girá-la. Ele não coloca a tigela no chão para lavar as mãos: quando as mãos estão lavadas a tigela está lavada; e quando a tigela está lavada as mãos estão lavadas. Ele verte a água da tigela nem demasiado longe, nem demasiado perto e ele não verte o seu conteúdo por todos os lados.
“Ao receber arroz, ele não levanta ou abaixa a tigela, ou a inclina para frente ou para trás. Ele recebe nem pouco, nem muito arroz. Ele adiciona os molhos na proporção correta; ele não excede a quantidade correta de molho em cada bocado. Ele gira o bocado duas ou três vezes na boca e depois o engole, e nenhum grão de arroz entra no seu corpo sem ser mastigado, e nenhum grão de arroz permanece na sua boca; depois ele toma outro bocado. Ele se alimenta experienciando o sabor, embora sem experimentar cobiça pelo sabor. A comida que ele ingere possui oito fatores: o alimento não deve ser tomado como forma de diversão ou para embriaguez, tampouco com o objetivo de embelezamento e para ser mais atraente, mas somente com o propósito de manter a resistência e continuidade do corpo, como forma de dar um fim ao desconforto e para auxiliar a vida santa. Considerando: ‘Dessa forma darei um fim às antigas sensações (de fome) sem despertar novas sensações (de comida em excesso) e serei saudável e sem culpa e viverei em comodidade.’
“Depois de comer e receber água para a tigela, ele não levanta ou abaixa a tigela, ou a inclina para frente, ou para trás. Ele recebe nem pouca, nem muita água para a tigela. Ele lava a tigela sem fazer ruído. Ele lava a tigela sem girá-la. Ele não coloca a tigela no chão para lavar as mãos: quando as mãos estão lavadas a tigela está lavada; e quando a tigela está lavada as mãos estão lavadas. Ele verte a água da tigela nem demasiado longe, nem demasiado perto e ele não verte o seu conteúdo por todos os lados.
“Depois de comer, ele coloca a tigela nem muito longe, nem muito perto; e ele não é nem negligente e tampouco excessivamente preocupado com relação à tigela.
“Depois de comer, ele senta em silêncio durante algum tempo, mas ele não deixa escapar o momento certo para a benção. Depois de comer e ao dar a benção, ele assim o faz sem criticar a refeição ou na expectativa de uma outra refeição; ele instrui, motiva, estimula e encoraja a audiência com um discurso puramente do Dhamma. Depois de ter feito isso, ele levanta do seu assento e parte.
“Ele caminha nem muito depressa, nem muito devagar, e ele não caminha como alguém que quer se evadir.
“O seu manto é usado nem muito alto, nem muito baixo no corpo, nem demasiado justo no corpo, nem demasiado folgado no corpo, nem o vento faz com que o manto se solte do seu corpo. A poeira e a sujeira não sujam o seu corpo.
“Ao chegar no monastério, ele senta num assento que tenha sido preparado. Tendo sentado, ele lava os pés, embora ele não tenha preocupação com a beleza dos pés. Tendo lavado os pés, ele senta com as pernas cruzadas, mantém o corpo ereto e estabelece a plena atenção à sua frente. Ele não ocupa a sua mente com a sua própria aflição, ou a aflição dos outros, ou a aflição de ambos; ele senta com a mente focada no seu próprio bem-estar, no bem-estar dos outros e no bem-estar de ambos, até mesmo no bem-estar de todo o mundo.
“Ao chegar no monastério, ele ensina o Dhamma para uma audiência. Ele nem elogia e tampouco recrimina aquela audiência; ele instrui, motiva, estimula e encoraja a audiência com um discurso puramente do Dhamma. O discurso que sai da sua boca tem oito qualidades: é claro, inteligível, melodioso, audível, envolvente, eufônico, profundo e sonoro. Mas ao mesmo tempo que a sua voz é inteligível até onde há audiência, o seu discurso não vai além da audiência. Quando as pessoas foram instruídas, motivadas, estimuladas e encorajadas por ele, elas se levantam dos seus assentos e partem olhando apenas para ele e sem preocupação com mais nada.
“Nós vimos o Mestre Gotama caminhando, senhor, nós o vimos em pé, nós o vimos entrar num lugar fechado, nós o vimos dentro de um lugar fechado sentado em silêncio depois de comer, e nós o vimos dar a benção depois de comer, nós o vimos indo para o monastério em silêncio, nós o vimos no monastério ensinando o Dhamma para uma audiência. Assim é o Mestre Gotama; assim é ele, e mais do que isso.”
Quando isso foi dito, o brâmane Brahmāyu levantou-se do seu assento e arrumando o manto externo sobre o ombro, juntou as mãos em respeitosa saudação na direção do Abençoado e pronunciou esta exclamação três vezes: “Honra ao Abençoado, um arahant, perfeitamente iluminado! Honra ao Abençoado, um arahant, perfeitamente iluminado!Honra ao Abençoado, um arahant, perfeitamente iluminado! Talvez um dia desses possamos encontrar o Mestre Gotama e ter uma conversa com ele.”
Então, no transcurso da sua perambulação o Abençoado acabou chegando em Mithilā. Lá, o Abençoado se estabeleceu no Mangueiral de Makhādeva. Os brâmanes chefes de família de Mithilā ouviram: “Gotama o contemplativo, o filho dos Sakyas, que adotou a vida santa deixando o clã dos Sakyas, andava perambulando no país dos Videhas com um grande número de bhikkhus, com quinhentos bhikkhus, ele agora chegou em Mithilā estabelecendo-se no Mangueiral de Makhādeva. E acerca desse mestre Gotama existe essa boa reputação … (igual ao verso 3) … É bom poder encontrar alguém tão nobre.”
Assim, os brâmanes chefes de família de Mithilā foram até o Abençoado. Alguns homenagearam o Abençoado e sentaram a um lado; alguns trocaram saudações corteses com ele e após a troca de saudações sentaram a um lado; alguns ajuntaram as mãos em respeitosa saudação e sentaram a um lado; alguns anunciaram o seu nome e clã e sentaram a um lado. Alguns permaneceram em silêncio e sentaram a um lado.
O brâmane Brahmāyu ouviu: “Gotama o contemplativo, o filho dos Sakyas, que adotou a vida santa deixando o clã dos Sakyas chegou em Mithilā estabelecendo-se no Mangueiral de Makhādeva.”
Então, o brâmane Brahmāyu foi para o Mangueiral de Makhādeva com um número de estudantes brâmanes. Ao chegar no mangueiral, ele pensou: “Não é apropriado que eu vá até o contemplativo Gotama sem ser primeiro anunciado.” Então, ele se dirigiu a um certo estudante brâmane: “Venha, estudante brâmane, vá até o contemplativo Gotama e pergunte em meu nome se o contemplativo Gotama está livre de aflições e enfermidades, e se ele se encontra saudável, forte e vivendo com conforto, dizendo: ‘Mestre Gotama, o brâmane Brahmāyu pergunta se o Mestre Gotama está livre de enfermidades … vivendo com conforto,’ e diga o seguinte: ‘O brâmane Brahmāyu, Mestre Gotama, é um velho, envelhecido, pressionado pelos anos, com a idade avançada, chegando ao último estágio; ele está no seu centésimo vigésimo ano. Ele é um mestre dos três Vedas com os seus mantras, liturgia, fonologia e etimologia e as histórias como quinto elemento; hábil em filologia e gramática, ele é um perito em filosofia natural e nas marcas de um grande homem. De todos os brâmanes chefes de família que vivem em Mithilā, o brâmane Brahmāyu é declarado como o principal dentre eles em riqueza, no conhecimento dos mantras, em idade e fama. Ele deseja ver o Mestre Gotama.’”
“Sim, senhor” o estudante brâmane respondeu. Ele foi até o Abençoado e ambos se cumprimentaram, e quando a conversa amigável e cortês havia terminado, ele ficou em pé a um lado e relatou a sua mensagem. [O Abençoado disse:]
“Agora é o momento para que o brâmane Brahmāyu faça como julgar adequado.”
Então, o estudante brâmane foi até o brâmane Brahmāyu e disse: “A permissão foi concedida pelo contemplativo Gotama. Agora é o momento, senhor, para fazer como julgar adequado.”
Assim o brâmane Brahmāyu foi até o Abençoado. A assembléia o viu chegando à distância e de imediato eles abriram o caminho como para alguém que é bem conhecido e famoso. Então, o brâmane Brahmāyu disse para a assembléia: “Basta senhores, que cada um sente no seu assento. Eu sentarei aqui ao lado do contemplativo Gotama.”
Então, ele foi até o Abençoado e ambos se cumprimentaram, e quando a conversa amigável e cortês havia terminado, ele sentou a um lado e procurou pelas trinta e duas marcas de um Grande Homem no corpo do Abençoado. Ele viu mais ou menos as trinta e duas marcas de um Grande Homem no corpo do Abençoado, exceto duas; ele ficou em dúvida e não podia ter certeza sobre duas dessas marcas, e não pôde chegar a uma conclusão sobre elas: sobre a genitália contida numa bainha e sobre o tamanho da língua.
Então o brâmane Brahmāyu se dirigiu ao Abençoado em versos:
“As duas e trinta marcas eu aprendi
que são as marcas de um Grande Homem—
mas eu não vejo duas dessas
no seu corpo, Gotama.
É aquilo que deve ser coberto por um pano
escondido numa bainha, homem superior?
Embora nomeada por uma palavra do sexo feminino,
talvez a sua língua seja máscula?
Talvez a sua língua também seja grande,
de acordo com aquilo que foi ensinado?
Por favor ponha a língua um pouco para fora
e assim, Oh! Vidente, sane a nossa dúvida
para o bem-estar nesta mesma vida
e felicidade nas vidas que virão.
E agora ansiamos pela permissão para perguntar
algo que desejamos conhecer.”
Então, ocorreu ao Abençoado que: “Este brâmane Brahmāyu vê mais ou menos as trinta e duas marcas de um Grande Homem no meu corpo, exceto duas; ele tem dúvida e incerteza sobre duas dessas marcas e não pode chegar a uma conclusão sobre elas: sobre a genitália contida numa bainha e sobre o tamanho da língua.”
Então, o Abençoado através dos seus poderes supra-humanos fez com que o brâmane Brahmāyu pudesse ver a sua genitália contida numa bainha. Em seguida, o Abençoado esticou a língua para fora, lambendo ambas as orelhas e ambas as narinas, e depois cobriu toda a extensão da sua testa com a língua.
Então, o Abençoado disse estes versos em resposta ao brâmane Brahmāyu:
“As duas e trinta marcas que você aprendeu
que são as marcas de um Grande Homem—
todas podem ser encontradas no meu corpo:
portanto, brâmane, não tenha mais dúvida disso,
o que deve ser conhecido foi conhecido diretamente,
o que deve ser desenvolvido foi desenvolvido,
o que deve ser abandonado foi abandonado,
por conseguinte, brâmane, eu sou um Buda.
Para o bem-estar nesta mesma vida
e felicidade nas vidas que virão,
visto que a permissão lhe foi concedida,
por favor pergunte o que quiser,
qualquer coisa a que você aspire conhecer.”
Então o brâmane Brahmāyu pensou: “A permissão me foi concedida pelo contemplativo Gotama. Sobre o que devo perguntar: sobre o bem nesta vida ou nas vidas que virão?” Então ele pensou: “Eu sou hábil no que diz respeito ao bem nesta vida, e os outros também me perguntam sobre o bem nesta vida. Porque não lhe pergunto sobre o bem nas vidas que virão?” Então ele se dirigiu ao Abençoado em versos:
“Como alguém se torna um brâmane?
E como se obtém o conhecimento?
Como se obtém o conhecimento tríplice?
E como alguém se torna um estudioso santo?
Como alguém se torna um arahant?
E como alguém alcança a perfeição?
Como alguém é um sábio silencioso?
E como alguém pode ser chamado de Buda?”
Então o Abençoado disse estes versos em resposta:
“Quem conhece as suas vidas passadas,
vê os paraísos e os estados de privação,
e alcançou a destruição do nascimento—
um sábio que compreende através
do conhecimento direto,
que sabe que a sua mente está purificada,
completamente livre de qualquer desejo,
que abandonou o nascimento e morte,
perfeito na vida santa,
que transcendeu tudo—
alguém assim é chamado de Buda.”
Quando isso foi dito, o brâmane Brahmāyu levantou do seu assento e depois de arrumar o seu manto externo sobre um ombro, prostrando-se com a cabeça aos pés do Abençoado, cobrindo os pés do Abençoado com beijos e acariciando-os com as mãos, pronunciando o seu nome: “Eu sou o brâmane Brahmāyu, venerável senhor; Eu sou o brâmane Brahmāyu de Kosala, venerável senhor.”
Aqueles presentes na assembléia ficaram admirados e maravilhados e disseram: “É admirável, senhores, é maravilhoso, esse grande poder e força que o contemplativo Gotama possui, e que faz com que o famoso brâmane Brahmāyu preste tamanha demonstração de humildade!”
Então, o Abençoado disse para o brâmane Brahmāyu: “Já basta, brâmane, levante-se; sente no seu assento visto que a sua mente tem confiança em mim.”
O brâmane Brahmāyu então levantou e sentou-se no seu assento.
Então, o Abençoado transmitiu-lhe o ensino gradual, isto é, ele falou sobre a generosidade, sobre a virtude, sobre o paraíso; ele explicou o perigo, a degradação e as contaminações dos prazeres sensuais e as vantagens da renúncia. Quando ele percebeu que a mente do brâmane Brahmāyu estava pronta, receptiva, livre de obstáculos, satisfeita, clara, com serena confiança, ele explicou o ensinamento particular dos Budas: o sofrimento, a sua origem, a sua cessação e o caminho. Tal como um pano limpo, com todas as manchas removidas, absorverá um corante de modo adequado, assim também, enquanto o brâmane Brahmāyu estava ali sentado, a visão imaculada do Dhamma surgiu nele: “Tudo que está sujeito ao surgimento está sujeito à cessação.” O brâmane Brahmāyu viu o Dhamma, alcançou o Dhamma, compreendeu o Dhamma, examinou a fundo o Dhamma; ele superou a dúvida, se libertou da perplexidade, conquistou a intrepidez, e se tornou independente dos outros na Revelação do Mestre.
Então, ele disse para o Abençoado: “Magnífico, Mestre Gotama! Magnífico, Mestre Gotama! Mestre Gotama esclareceu o Dhamma de várias formas, como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém que estivesse perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão pudessem ver as formas. Eu busco refúgio no Mestre Gotama, no Dhamma e na Saṅgha dos bhikkhus. Que o Mestre Gotama me aceite como discípulo leigo que buscou refúgio para o resto da vida. Que o Abençoado junto com a Saṅgha dos bhikkhus concorde em aceitar a refeição de amanhã.” O Abençoado concordou em silêncio. Então, sabendo que o Abençoado havia concordado, o brâmane Brahmāyu levantou do seu assento e depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, ele partiu.
Então, quando a noite terminou, o brâmane Brahmāyu fez com que fossem preparados vários tipos de boa comida na sua própria residência, e fez com que a hora fosse anunciada para o Abençoado: “É hora, Mestre Gotama, a refeição está pronta.”
Então, ao amanhecer, o Abençoado se vestiu e tomando a sua tigela e o manto externo, foi junto com a Saṅgha dos bhikkhus para a residência do brâmane Brahmāyu e sentou num assento que havia sido preparado. Então, durante uma semana, com as suas próprias mãos, o brâmane Brahmāyu serviu e satisfez a Saṅgha dos bhikkhus liderada pelo Buda com os vários tipos de alimentos.
Ao final daquela semana, o Abençoado saiu perambulando pelo pais dos Videhas. Pouco depois dele haver partido, o brâmane Brahmāyu morreu. Então um grande número de bhikkhus foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo, eles sentaram a um lado e disseram: “Venerável senhor, o brâmane Brahmāyu morreu. Qual o seu destino? Qual o seu percurso futuro?”
“Bhikkhus, o brâmane Brahmāyu era sábio. Ele praticava de acordo com o Dhamma e não me causou problemas na interpretação do Dhamma. Com a destruição dos cinco primeiros grilhões, ele renasceu espontaneamente (nas Moradas Puras) e lá realizará o parinibbāna sem nunca mais retornar desse mundo.”
Isso foi o que disse o Abençoado. Os bhikkhus ficaram satisfeitos e contentes com as palavras do Abençoado.